Medicina Baseada na Evidência
Depois do artigo sobre a significância estatística, vários colegas me falaram da necessidade de esclarecer a situação da evidência científica, nomeadamente o conceito da medicina baseada na evidência.
Esta corrente originária em Gordon Guyatt em 1991, Evidence Based Medicine, foi trazida para Portugal, por um pequeno grupo de médicos ligados à cultura anglo-saxónica, nomeadamente o médico António Vaz Carneiro, por volta do ano de 1995, e pretendia com isso valorizar um tipo de prática clínica caracterizada pela “utilização conscienciosa, explícita e criteriosa da evidência clínica actualizada” (António Veloso, 2005).
O Médico António Veloso, escreveu em 2005, um artigo que li por volta do ano de 2006, e no qual voltei a tropeçar via “Dr. Google” por estes dias, e cuja leitura recomendo vivamente, para ficarmos devidamente informados sobre esta temática. Este documento deve fazer corar de vergonha um conjunto de médicos, digo médicos e não digo “clínicos” propositadamente, e se o leitor se der ao trabalho de ler o artigo do Prof. António Veloso, perceberá a subtileza, António Barros Veloso, recebeu o Grau de Doutor Honoris Causa, pela Universidade Nova de Lisboa no dia 10 de Maior de 2018, não sendo por isso apenas mais um médico , ou um cientista sem artigos publicados e o seu Curriculum Vitae fala por si.
Deixo-lhe aqui apenas um trecho do referido artigo para abrir o apetite:
Há alguns anos foi lançado no mercado um anti-inflamatório que vinha acompanhado de “evidências” obtidas através de ensaios clínicos controlados aleatórios: aliava uma elevada eficácia a uma menor incidência de complicações gastrointestinais quando comparado com a droga de referência. Uma operação de marketing de proporções gigantescas levou rapidamente o novo medicamento a atingir elevadas cotas no mercado: 80 milhões de doentes tratados em todo o mundo e vendas que chegaram a atingir os 2.5 biliões de dólares num ano9. Mas em menos cinco anos era retirado por se ter verificado que estava associado a um risco elevado de enfarte do miocárdio.
Este caso está rodeado de circunstâncias éticas e científicas que têm levantado muitas dúvidas acerca da forma como são fabricadas as “evidências”. Mas não é disso que irei agora falar. Apenas quero lembrar que durante esse tempo não contribuí em nada para as vendas do novo medicamento, ou seja, não me lembro de o ter receitado uma única vez. Porquê? Porque sem ignorar as preciosas “evidências”, utilizei os dois outros critérios que devem estar presentes nas decisões terapêuticas.”
Veloso, António Barros, (2005) Acerca da “Medicina Baseada na Evidência”

António Moreira
Prof. Ensino Superior / Especialista em MTC
Quer saber como combater os cépticos e melhorar as suas competências na compreensão da investigação científica?

Andreia Vieira
Doutaranda em Biomedicina / Especialista em MTC
Quer saber ainda mais sobre Electropunctura?

Paula Sousa
Especialista em MTC / Acupunctura
Craneopunctura – Dupla abordagem
Em Faro 24, 25 e 26 de Maio
Mas o que é a Evidência Científica?
São vários os níveis de evidência científica, mas as últimas tendências massificadoras apontam como padrão-ouro, os dois últimos níveis,
- Os estudos aleatoriamente controlados
- e as meta-análises.
No caso da medicina, e depois do advento e massificação do uso dos medicamentos como procedimento terapêutico de eleição, nomeadamente a partir da década de 60 do Séc. XX, e posteriormente sustentada pelas teorias da permeabilidade da membrana celular, concomitantemente com a responsabilidade da universalidade dos sistemas de saúde, produziram uma necessidade da generalização da administração dos medicamentos.
Dois problemas se colocaram,
- a segurança
- e a eficácia.
O primeiro, a segurança:
Inicialmente descurado, está hoje sujeito a apertadíssimos procedimentos de controlo, especialmente depois das tragédias da talidomida, mas mesmo assim todos os anos são retirados do mercado, por causa dos efeitos adversos, muitas vezes graves ou fatais, como foi o caso dos AINE inibidores da COX2 (Vioxx) que tinha efeitos adversos responsabilizado por enfarte agudo do miocárdio, da sibutramina um medicamento para a obesidade, ou do mediator responsável por mais de 2000 mortes apenas para citar alguns mediáticos.
Vioxx Sibutramina Mediator
Veja aqui um artigo sobre a farmacovigilância
O segundo, a eficácia:
A eficácia é posta em evidência exactamente pela emergência da importância do efeito placebo, que antes da massificação da comercialização fazia parte do “arsenal” clínico e que depois desta massificação passou a ser diabolizado, como bem explica Ted Kapchuk, quer por força da feroz concorrência inter indústria farmacêutica, quer pela necessidade de justificar a comparticipação de fundos públicos na comercialização dos remédios.
Desta forma, foram necessários encontrar formas que permitissem concluir com um grau de certeza livre de qualquer suspeita da eficácia dos efeitos do tratamento medicamentoso.
Você disse RCT’s?
Para chegar a esses resultados, a essa evidência, é necessário que se reduza ao mínimo as possibilidades das alterações serem devidas a outros factores que não o do medicamento; é aí que entram os Ensaios Clínicos Controlados Aleatoriamente, em Inglês RCT’s de Randomized Control Trials,
Mas o que são concretamente os RCT’s?
São procedimentos que obedecem a um desenho experimental, que diminua o mais possível ou mesmo anule os efeitos que não se devam ao efeito produzido pelo que queremos estudar, a maioria das vezes um medicamento.
E que efeitos são esses e como se anulam?
Efeitos que podem estar associados:
- A quem investiga, (O investigador)
- A quem é aplicado o tratamento (O sujeito)
- Às circunstâncias em que é aplicado o tratamento (o contexto)
Como se anulam estes efeitos?
Comparando os efeitos de um tratamento com os efeitos de outro ou os efeitos de um tratamento com os efeitos de um não-tratamento
Vedando aos intervenientes determinado conhecimento da situação
Distribuição aleatória
Para que os grupos se possam comparar de modo igual, a forma que os investigadores arranjaram é de distribuir os membros que compõem os grupos por sorteio, ou seja de forma aleatória, ficando desta forma anuladas as diferenças entre os sujeitos,
Procedimento Duplo Cego
Para que os intervenientes não saibam quem está sujeito aos efeitos do tratamento ou do não-tratamento, os investigadores aplicam aquilo que é conhecido pelo duplo cego, isto é os sujeitos que compõem os grupos não sabem se estão ser alvo do tratamento ou do não tratamento, e os investigadores também não sabem qual é o grupo que está a receber o tratamento ou o não tratamento, é isto que é o duplamente cego.
Desta forma a análise dos resultados estará salvaguardada dos enviesamentos dos sujeitos ou dos investigadores.
Ao mesmo tempo, os investigadores tentam manter o contexto o mais estável possível ao longo do tempo em que dura a aplicação do tratamento, tentando assim evitar que outros factores possam interferir nos resultados.
Este design experimental é muito indicado se nós pretendermos anular o efeito dos humanos ligados ao tratamento, e, portanto, perfeitamente adequado para medir o feito do tratamento dos medicamentos; aqui reside a gigantesca diferença entre a necessidade de medir o efeito de um tratamento medicamentoso.
E num tratamento onde a intervenção humana é fulcral como é o caso da acupunctura?
No entanto por uma total irracionalidade, quer da parte da medicina convencional, quer muitas vezes por parte da acupunctura existe a tendência para que os efeitos da acupunctura sejam investigados com estes modelos.
Na nossa opinião de forma completamente despropositada:
O processo de punctura não é independente daquele que aplica as agulhas, a diversidade de técnicas de punctura, a profundidade, a manipulação da agulha, as suas dimensões, e mesmo a escolha dos locais onde é efectuada a punctura, a modificação dos aspectos observáveis, tensão muscular e pulso, muito frequentes na acupunctura japonesa, por exemplo, são resultado de um processo altamente complexo, se não impossível de reproduzir pelo menos demasiado complexo e oneroso para poder ser reprodutível, e por isso não é só insensato como completamente despropositado a tentativa de aplicar este modelo para estudar os efeitos da acupunctura, nas dimensões que apresentámos: A segurança e a eficácia.
Dois eixos a considerar
A forma como se pode estudar os efeitos da acupunctura devem em primeiro lugar incidir na comprovação da segurança, explorando ao máximo os riscos que a comunidade científica aponta:
- O atraso do diagnóstico
- A existência de efeitos adversos
Focar no que é prioritário
Ao mesmo tempo devem ser continuados os estudos sobre os efeitos que se conseguem para reverter determinado de queixas, ou de condições patológicas. O estudo destes efeitos deve ser realizado em pelo menos duas dimensões:
- Uma dimensão centrada na alteração das queixas/condição
- E outra dimensão centrada nos procedimentos do acupunctor
Se por um lado será importante verificar a alteração consequente ao tratamento, quer ao nível dos sinais e sintomas que o paciente apresenta, quer ao nível de marcadores fisiológicos, celulares e biomoleculares, por outro é determinante descrever os procedimentos associados a cada tipo de tratamento, e confronta-los com os procedimentos da legis artis, seja comparativamente aos descritos nos clássicos da Medicina Chinesa, seja nos que o actual estado da arte recomenda.
Reflectir Sempre
É por isso urgente que a Comunidade da Acupunctura e Medicina Tradicional Chinesa se não deixe arrastar para os erros que ultimamente e muito baseado na questão da medicina baseada na evidencia a própria medicina convencional se tem colocado, não que várias vozes avisadas dentro da Medicina Convencional se escusem a trazer a liça um conjunto de críticas que não são esgotam nas criticas à própria corrente mas se situam também nos efeitos desta mesma corrente nos modelos de formação dos médicos e na relação destes com os pacientes.
Aprender com a experiência
Mesmo muitos médicos, na medicina convencional, especialmente os que tem um perfil ais clínico, tecem críticas á ditadura da Medicina Baseada na Evidência, longe de ser o Cálice Sagrado, a sua ajuda pode ser preciosa, mas a a submissão a este pensamento pode ter mais desvantagens do que vantagens.
Nos parágrafos abaixo podemos ver como Augusto SolaI et al, evidenciam uma crítica solida a estes aspectos no seu artigo, no Jornal de Pediatria publicado em 2007, An evident view of evidence-based pratice in perinatal medicine: absence of evidence is not evidence of absence.:
- “Ausência de evidência não é evidência de ausência” e “falta de evidência de efeito não significa evidência de nenhum efeito”.
- Os ECR com resultado “negativo” e aqueles com resultado “positivo”, mas sem os resultados importantes, muitas vezes não podem concluir o que concluem.
- Os ensaios clínicos não-aleatorizados e os estudos práticos podem ser importantes.
- A pesquisa em busca de provas é diferente da pesquisa em busca de aperfeiçoamento.
- A escolha clínica deve avaliar os efeitos nos desfechos importantes para os pacientes e seus pais.
- A quantificação de desfechos adversos, do número necessário para causar dano e do número necessário para tratamento não é assim tão simples.
Evidenciar a Semiologia e a matrix teórica
Ou ainda como Moreno, R., et al. (1998). No artigo publicado na Revista Medicina Interna, com o título Medicina baseada na evidência e meta-análise: à procura do Santo Graal. Reflectem sobre a actual formação médica:
Descarregue aqui o artigo
como os cruzados que percorriam o Mundo à procura do Santo Graal, partimos em peregrinação ao mundo das revistas para encontrar respostas às nossas dúvidas e preces. Mas, ontem, como hoje, é mais provável encontrá-lo dentro de nós. O que aplicado à Medicina, significa encontrar a resposta numa prática clínica racional, alicerçada numa semiologia cuidada e num conhecimento profundo dos mecanismos etiológicos e fisiopatológicos das doenças mais do que qualquer, por muito sagrada que seja, evidência.
É noutras palavras, aquilo que J. André Knottnerus dos dizia quando afirmava que a evidência baseada na Medicina é um pré-requisito para a Medicina baseada na evidência.”
Sobre as meta-análises falaremos a seguir
Conforme a filosofia da ciência vem reflectindo, o alcance da verdade não é tarefa fácil…
Deixe um comentário